Que o CACD é um concurso elitista todos sabem. Que há cacdistas agraciados com a possibilidade de estudar em tempo integral sem se preocupar com a subsistência própria ou a de uma família inteira também não é novidade para ninguém. Que muitos candidatos sempre tiveram acesso às melhores oportunidades de educação acadêmica desde o berço também é um fato. Que há mais diplomatas brancos do que negros (pretos e pardos) no Itamaraty e que a diplomacia brasileira é composta esmagadoramente por homens – 1202 de um total de 1.562 diplomatas – são verdades gritantes.
Um candidato pode ter tido todas as facilidades que o nascimento em uma família abastada materialmente pode trazer e, ainda assim, malbaratar os recursos de que dispõe. Pode ter o dia inteiro para estudar às expensas dos genitores e não render. Pode ser homem e branco e não se tornar diplomata. O fato de que alguém tenha na vida os recursos e facilidades que outro indivíduo não teve (ou não tem) não é passaporte para o sucesso na empreitada cacdista.
Há muitas incongruências; em verdade, sequelas estruturais que dizem respeito a toda uma sociedade e não especificamente ao Itamaraty e ao Serviço Exterior Brasileiro. As discrepâncias são reais; mas, será que pensar nisso constantemente traz algum benefício real para o cacdista que se encaixa em qualquer fator de exclusão socioeconômico? Será que o ajuda a ter um melhor desempenho na (já tão penosa) preparação para esse concurso? A resposta, para mim, que me encaixo em vários desses fatores de exclusão, é “não”.
Eu sou uma mulher negra de 41 anos que passou parte da infância na favela. Sou também mãe, dona de casa e cacdista, exatamente nessa sequência. Tenho problemas de ordens variadas, e sigo estudando, de acordo com minhas possibilidades. Preciso me fortalecer a cada dia contra as influências daninhas, e não acredito que pensar em quem teve os privilégios de berço que eu não tive me faça mais forte. Preciso chegar à prova e vencê-la pelas minhas habilidades, aquelas que construí ao longo da vida, apesar dos pesares (que foram muitos, doloridos, e ainda o são) e sem procurar, nas externalidades, justificativas para não fazer, para não ser.
Eu não acredito em meritocracia – que fique claro – essa “conversa para boi dormir” que os homens inventaram para nos fazer acreditar que somos iguais e que temos acesso às mesmas oportunidades, numa solução simplista de que bastaria, portanto, um mínimo de esforço pessoal para um sucesso fácil e garantido. O conceito de meritocracia só cabe quando partimos todos de um mesmo ponto de comparação entre indivíduos ou grupos semelhantes que tiveram oportunidades idênticas.
Apesar disso, acredito que não é a sua classe social, nem são as suas posses, ou o seu gênero ou mesmo a sua cor que define se você vai se tornar diplomata. Nada disso pode ditar o seu sucesso ou o seu fracasso. A vida desiguala as pessoas, sim, e a nossa sociedade tem “castas” bem definidas – não sejamos ingênuos. Entretanto, a prova do CACD é isonômica no sentido de que a ela não importa o background do cacdista. Ela é equânime: não vê titulação acadêmica, cor de pele, conta de banco, preferência sexual ou religião do candidato. Por algumas horas, todos ali são meramente cacdistas.
Para vencer o CACD, você, que, como eu, se encaixa em algum dos (ou em todos os) fatores de exclusão social que listei aqui, precisa, por alguns instantes pelo menos, deixar de se sentir desigual e esquecer que outros receberam mais da vida. Porque, se você começar o projeto acreditando que vai dar errado, uma vez que outros tiveram melhores condições, a empreitada já falhou! A autoestima que nasce da fé em si mesmo é condição sine qua non para tudo na vida; e será também para a sua aprovação, como eu disse neste vídeo.
No final, senhoras e senhores, o que nos impede ou nos habilita, tanto para a vitória quanto para o fracasso, é a nossa própria mente, segundo a autoimagem com que a retroalimentamos.
Bons estudos.
Excelente texto !!!!
Parabéns…
Obrigada, Manoel! 🙂
Amei seu artigo! Também sou mãe (de duas figurinhas, 2 e 4 anos), dona de casa e cacdista há menos de 1 mês, perdida no tempo e no espaço, sem grana pra cursinho e garimpando fontes e ebooks pela internet. 31 anos.
Mas tenho fé na caminhada e não tenho pressa.
Boa sorte nessa jornada.
Abraços
Gisela, parece que você me descreveu quando eu comecei a pesquisar sobre o CACD! 😀
Ter fé na caminhada é a condição primeira, sem a qual nada mais acontece. E não ter pressa – ah, esse é o pote de ouro no final do arco-íris.
Meu desejo genuíno de que um dia a gente possa se encontrar no Itamaraty.
Um abraço!
Eu fui agraciado pelo papai do céu de ser filho único e ter nascido numa família de classe média paulistana eurodescendente, se não passar no cacd vou contratar um cursinho bom, um sapientia ou um barão Damásio. Eu acredito que o segredo do sucesso é a persistência. O finado Dr Enéas carneiro era paupérrimo, mas mesmo assim ele se tornou um médico cardiologista renomado e dep fed mais votado do estado de São paulo. Sim, dr Enéas era paupérrimo, seu pai um barbeiro e sua mãe era dona de casa num tempo que não existia políticas de ação afirmativa, ai vão me perguntar isto: como ele chegou lá sendo mestiço e paupérrimo? Eu respondo: chegou por meritocracia!!!!
Descobri por acaso seu site. Confesso, de um cacdista para outro, que já estou gostando, tive afinidade com os conteúdos.
Saudações diplomáticas!
Que ótimo, Diego! Procuro escrever conteúdos que instiguem a reflexão positiva.
Utilize sem moderação!
Bons estudos.
Pupila, parabéns pelos textos. Este em específico me tocou.. aliás, seu canal no YouTube e blog têm me tocado. Obrigada pela força e atitude de compartilhar esse tipo de conteúdo.
Luana, sou eu quem te agradece. Não tenho nenhum objetivo com esse trabalho que não seja o de fazer bem aos colegas que passam pelo mesmo percurso. E fico muito feliz quando vejo um depoimento como o seu (inspiração para continuar)! Sigamos firmes!
Maravilhoso!