Foto: reprodução (internet)
João Cabral de Melo Neto nasceu em 9 de janeiro de 1920, no engenho de Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata, Recife (PE). Poeta da terceira geração modernista no Brasil, a Geração de 45, ele é dono de uma obra marcada pelo rigor da forma, pela clareza da expressão e pela genialidade do conteúdo. O tema central da produção cabralina é sem dúvida a aridez do sertão nordestino — a saga do retirante. Mas o sertão de João Cabral de Melo Neto é feito de poesia oral, a exemplo dos cordéis. É regional, sem cair no regionalismo. Contudo, sua poesia também comporta espaço para a metalinguística do ofício de escrever.
Pela relevância de suas obras, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1968, e ocupou a cadeira de número 37, que antes pertencera ao jornalista Assis Chateaubriand.
João Cabral de Melo Neto: o ex-CACDista centenário
O título deste artigo é uma brincadeira. João Cabral de Melo Neto prestou, sim, concurso para a diplomacia em 1945 — e passou na primeira tentativa. Contudo, ele não foi propriamente um cacdista, já que nessa época o certame chamava-se “exame de admissão ao CPCD”, como eu expliquei nesse vídeo aqui.
Como diplomata, João Cabral teve a oportunidade de observar a diversidade cultural dos lugares por onde passou e de fazer disso combustível para a escrita. A diplomacia lhe deu oportunidade de conviver com artistas e intelectuais que complementaram de modo sui generis a sua estética de observação e escrita da vida.
No ano de centenário do poeta, vale a pena atentar para a possibilidade de que alguma de suas obras conste da prova do CACD.
Infância
O poeta passou a infância no interior de Pernambuco, onde estudou em colégio Marista. Tentou cantar no coro dos meninos, mas era desafinado. Vocação para o futebol ele até tinha. Mas gostava mesmo era de ler romances de cordel, escondido do pai, aos domingos, para os trabalhadores iletrados do engenho de açúcar da família, onde ele brincava com os moleques na bagaceira. Começou a se interessar por literatura aos 17 anos, e passou a frequentar o Café Lafayette, ponto de encontro de intelectuais no Recife. Embora sempre tivesse gostado de ler e escrever, reclamava que detestava os poemas que o faziam ler no colégio, todos parnasianos e líricos, que ele considerava desinteressantes e derretidos. Nessa época ele teve contato com a obra “Brejo das Almas”, de Carlos Drummond de Andrade. Ali João Cabral descobriu uma poesia que tangenciava o lugar-comum do lirismo. Vislumbrou a possibilidade de escrever poesia sem falar de sentimentos, sem rebuscamento da oratória, uma poesia mais irônica e de temas cotidianos.
Escrita e diplomacia
João Cabral não acreditava na inspiração como elemento da escrita e dizia que a estrutura de um poema tem que ser arquitetada. A obra cabralina foi fortemente influenciada pelos pintores cubistas. Quando serviu em Sevilha, o poeta conviveu estreitamente com Joan Miró, que à época fora proibido de expor suas obras, durante o governo franquista. Essa amizade fez João Cabral publicar o ensaio “Joan Miró”, com as telas originais que o artista pintou na França durante a segunda guerra e na própria Catalunha, as quais o grande público só viria a conhecer muitos anos depois.
Em entrevista a um grande veículo de comunicação, o poeta afirma que, se não tivesse sido diplomata, sua literatura teria sido completamente diferente.
Servidor Público. Diplomata pernambucano a serviço do Brasil.
João Cabral foi servidor público no extinto DASP, o Departamento Administrativo do Serviço Público, de 1943 a 1945, quando entrou para a diplomacia. Barcelona, Londres, Sevilha, Genebra, Assunção, Honduras, Senegal e Porto estão entre os postos em que João Cabral de Melo Neto serviu como diplomata até a aposentadoria, como embaixador, em 1990.
João e a prensa tipográfica
Quando o médico recomendou ao diplomata que fizesse exercícios físicos, a ordem foi imediatamente acatada e converteu-se na materialização de uma prensa tipográfica manual! A prensa, na concepção peculiar de João Cabral, demandava muito trabalho braçal e era então a saída perfeita para se exercitar enquanto produzia livros de poesia. Assim surgia a editora caseira e artesanal do poeta, à que ele chamou “O Livro Inconsútil”. O primeiro livro publicado foi “Psicologia da Composição”, embora ele tivesse tentado estrear a tipografia com os escritos de Clarice Lispector, que à época escrevia “A cidade sitiada” e “O coro dos Anjos” — o alvo real de João. “Fico a esperar ‘O coro dos anjos’”, diz o poeta à amiga, em carta. Essa história pode ser lida aqui.
A editora de João Cabral deu vida a obras de Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Lêdo Ivo, Joan Brossa e outros tantos.
Morte e Vida Severina: a obra mais aclamada
Um clássico, que todos já leram ou de que já ouviram falar no ensino médio, com adaptações para cinema, teatro, televisão e indústria musical. Narra a história de Severino, o retirante nordestino que deixa o sertão árido e seco em busca de uma vida melhor no litoral da cidade grande. Para João Cabral, ela nem é sua obra mais significativa. O auto de natal foi uma encomenda de Maria Clara Machado para encenação n’O Tablado, a qual não se concretizou. Nesse texto da Agência Brasil há uma entrevista em que o biógrafo de João Cabral, Antônio Secchin, fala desta e de outras obras do poeta. Na mesma entrevista há um relato da escritora Inez Cabral, filha de João Cabral, autora de “A Literatura como turismo”, obra em que me baseei para escrever este artigo, dentre outras fontes.
Poesia e Prosa
“Pedra do sono”, 1942; “O engenheiro”, 1945; “O cão sem plumas”, 1950; “O rio”, 1954; “Quaderna”, 1960; “Poemas escolhidos”, 1963; “A educação pela pedra”, 1966; “Morte e vida severina e outros poemas em voz alta”, 1966; “Museu de tudo”, 1975; “A escola das facas”, 1980; “Agreste”, 1985; “Auto do frade”, 1986; “Crime na Calle Relator”, 1987; “Sevilla andando”, 1989.
Em prosa João Cabral publicou o já citado “Joan Miró”, em 1952, “Considerações sobre o poeta dormindo”, em 1941, e “O Brasil no arquivo das Índias de Sevilha”, importante trabalho de pesquisa histórico-documental, editado pelo Ministério das Relações Exteriores e fonte de referência sobre os feitos marítimos de navegadores espanhóis e portugueses na época da descoberta da América e do Brasil.
A lista completa de obras você encontra neste link.
Prêmios
Prêmio José de Anchieta, de poesia, do IV Centenário de São Paulo (1954); Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras (1955); Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro; Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; Prêmio Bienal Nestlé, pelo conjunto da Obra e Prêmio da União Brasileira de Escritores, pelo livro, Prêmio Camões de Literatura (1990).
Algumas obras traduzidas
Education by Stone: Selected Poems
João Cabral de Melo Neto: Selected Poetry
La educacion por la piedra
Death and life of Severino (tradução de John Milton). Há também excertos da obra traduzidos por Elizabeth Bishop.
Não há obras completas de João Cabral de Melo Neto traduzidas para o francês, apenas seleções de trechos.
Espero que esse artigo ajude você em seus estudos sobre literatura brasileira.
Bons estudos e sucesso!
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Veja, a seguir, algumas versões interessantes de Morte e Vida Severina, a obra-prima do autor, em mídias distintas:
Animação Morte e Vida Severina
Morte e Vida Severina TUCA, 1966
Chico Buarque canta Funeral de um Lavrador, 1968
E veja o poeta João Cabral de Melo Neto falando da própria poesia!
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