Não sei se vocês já fizeram aula em uma turma virtual, mas os rituais se parecem muito com os de uma sala física. O professor é quase sempre o primeiro a chegar e vai recebendo os alunos, conversando, perguntando como andam os estudos, querendo conhecer melhor os seus pupilos e entender melhor as suas dificuldades.
Os alunos vão entrando na sala e se inserindo na conversa que já havia começado. Às vezes, a conversa fica tão interessante que acaba se tornando parte da aula ou até mesmo uma aula completa. E foi isso que aconteceu em uma das nossas aulas, quando começamos a falar das dores e das dúvidas dos ceacedistas. Caso você tenha estranhado esse nome, os ceacedistas são aqueles que estudam para se tornar diplomata, para passar no concurso do Itamaraty, chamado de CACD, Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata.
Bem, a conversa começou quando um aluno, que vou chamar de João, me perguntou por onde iniciar os estudos de francês:
— João, mas você já começou os seus estudos, já está fazendo as aulas comigo e com os seus colegas. Não existe exatamente uma regra sobre como começar. Alguns começam sozinhos, estudando gramática, outros se sentem mais seguros em um curso regular e cada um vai criando o seu caminho.
— Mas não existe uma forma ideal, professor?
— É claro que eu tenho uma opinião sobre o que seria o ideal: começar um curso com foco no CACD desde as primeiras aulas, desenvolver um vocabulário básico e aprender as primeiras noções de gramática. Esse processo inicial não deve ser muito longo, porque seria perda de tempo. – fiz uma pausa para pensar um pouco e finalizei o monólogo com mais algumas palavras – Mas saiba que o estudo permite vários recomeços. Não é algo fixo, você pode mudar se perceber que não está mais funcionando para você.
Nesse momento, entrou Maria, uma aluna que já tinha estudado comigo há algum tempo e que, inclusive, se tornou diplomata no início deste ano. João ainda não estava muito satisfeito com a resposta e tentou fazer a mesma pergunta de forma diferente:
— Como eu encaixo os estudos de francês na rotina?
— Eu não diria “encaixar”. Na verdade, o estudo de idiomas deve fazer parte da sua rotina. Meu marido é estatístico e sempre diz que os idiomas são as disciplinas que fazem a diferença na aprovação do candidato. – respondeu Maria, com toda a calma de delicadeza do mundo.
Nesse meio tempo, um terceiro aluno já tinha entrado na sala e acabou se empolgando com a conversa. Ele aproveitou a chance e perguntou como ele poderia melhorar o vocabulário. Aquela conversa para mim era o máximo dos máximos, tudo o que um professor de idiomas gostaria de ouvir dos alunos: como eles estudam, como eles enxergam o idioma, etc. Vamos chamar esse aluno de José ou, mais carinhosamente, Zé.
— Então, professor, como faço para melhorar meu vocabulário?
— Eu tenho a minha própria forma de estudar e acredito que você também tenha a sua. Vamos ver se mais alguém faz diferente? – perguntei ao grupo, para estimular ainda mais a conversa.
— Eu uso flashcards – respondeu João.
— Já eu, gosto de traduzir textos – revelou Maria.
— E eu prefiro ler bastante. Não anoto muita coisa, só as palavras que quero usar um dia – contou Zé.
— Viu, Zé? Você mesmo respondeu a sua pergunta. O que interessa é fazer o que funciona melhor para você. Cada um estuda do seu jeito. Pra mim, a leitura atenta traz enormes benefícios. E o que é isso? É ler um texto com atenção aos detalhes, buscando vocabulário desconhecido e anotando as estruturas que gostaria de utilizar em meus próprios textos. Organizo tudo em um caderno (físico e virtual) e transformo algumas palavras e estruturas em flashcards. Essa é a forma com a qual me sinto confortável para aprender e cada um deve desenvolver a sua. – respondi, com mais um pequeno monólogo.
Veja só… João, Maria e José estavam ali, compartilhando o mesmo espaço virtual, mas moravam em lugares diferentes do Brasil, tinham começado o francês de forma diferente, usavam técnicas diferentes para aprender mais vocabulário e estavam os três evoluindo e escrevendo melhor em francês. Estava achando tudo aquilo incrível.
Joaquina, a quarta aluna que participou da aula, entrou na sala pensando que estava atrasada, que tinha perdido conteúdo de gramática e ficou meio perdida por alguns minutos. Quando viu que a gente ainda estava conversando, desabafou:
— Eu conheço bem a gramática do francês e tenho um bom vocabulário. Meu grande problema é escrever. E o pior é que estou enfrentando isso em inglês também, estou com essa mesma dificuldade. Como faço para escrever melhor um texto?
— Nesse caso, há 2 níveis de dificuldades – me adiantei para responder – O primeiro nível de dificuldade é relativo à organização das ideias, é preciso saber, desde o início, o que você deseja escrever e qual resultado você quer alcançar. Organize o texto em introdução, desenvolvimento e conclusão, elenque os argumentos que você vai utilizar e verifique se essa organização corresponde ao seu objetivo.
— Certo, professor, estou anotando – disse Joaquina.
— Depois de organizar as ideias, é hora de organizar os parágrafos. Em que ordem eles devem aparecer? Qual será a ligação entre eles? Como eles levarão o leitor da introdução à conclusão? Depois dos parágrafos, é fundamental pensar na frase. Antes de escrever, pense em qual será o seu esqueleto, quais serão os três elementos essenciais: o sujeito, o verbo e o objeto. A ordem SVO é imprescindível. A maioria das frases deverá segui-la.
— E o segundo nível de dificuldade, professor? – perguntou Maria, que estava bem atenta à conversa.
— O segundo é não conseguir transferir o que foi aprendido na leitura ou no livro de gramática para a escrita. Nosso vocabulário passivo sempre será maior que nosso vocabulário ativo, mas é preciso ir além da leitura e começar a utilizar o que foi aprendido em nossos textos. O problema da gramática também é uma questão de transferência: o aluno faz os exercícios exaustivamente e, quando vai escrever do zero, não consegue aplicar o que foi estudado na escrita ou ainda continua errando tópicos básicos. A solução nesse caso é relaxar e aumentar a atenção na hora de escrever. Relaxar para desfazer o bloqueio, para que o foi estudado possa aparecer na hora certa. Aumentar a atenção para não cometer sempre os mesmos erros, fazer um checklist dos erros mais comuns.
Enquanto eu falava, ficaram todos tão silenciosos que, quando acabei, perguntei se estavam entendendo e porque estavam tão calados. “Estamos anotando tudo, professor.” Percebi que era uma lição importante para eles e que, muito provavelmente, nunca tinham conversado sobre isso com ninguém. E essas ideias que apresentei servem para qualquer idioma.
Bem… Dei um tempo para eles anotarem tudo e, quando finalmente ia entrar no assunto que tinha planejado, Joaquina fez uma nova pergunta:
— E como saber que estou evoluindo, professor? Eu fico angustiada com isso. Estudo todos os dias, mas não sei se estou no caminho certo.
Disse que era uma pergunta muito difícil, mas que havia duas formas de avaliar essa evolução: uma subjetiva e outra objetiva. A primeira é sobre o conforto que você experimenta com o idioma. Quando você lê, você se sente bem ou acha que nunca vai entender nada? Quando você escreve, você sente que está levando menos tempo e que a escrita está fluindo melhor? Você está se sentindo mais segura para arriscar na escrita ou lendo textos mais difíceis? Tudo isso é muito subjetivo e só você poderá avaliar a sua evolução. O segundo critério é mais fácil: seu número de erros está diminuindo? Aquele erro recorrente está desaparecendo? Você compreende melhor a gramática e consegue usar sinônimos com facilidade?
Eu sei que é angustiante não saber se está evoluindo, não sentir essa evolução, mas o segredo é estudar regularmente (gramática, vocabulário…) e tentar escrever sempre. É só na hora de escrever que você conseguirá identificar suas dificuldades. Além disso, é preciso se conhecer bem para saber o que funciona e o que não funciona em seus estudos, para não insistir em técnicas inúteis. Como disse o filósofo Sócrates, Γνῶθι σεαυτόν “conhece-te a ti mesmo”. Só assim você poderá evoluir.
Depois de muita conversa, o tempo da nossa aula acabou e os alunos nem perceberam. Aulas assim nos fazem muito bem e nos oferecem muito material para pensar e repensar.
Fiquei muito feliz com o resultado de nosso bate-papo. Espero que também tenha gostado e que essa pequena história tenha ajudado você de alguma forma com as suas dúvidas e com as suas angústias de ceacedista. O que mais você gostaria de me perguntar? Que dúvida teria sobre o estudo de idiomas para o CACD? Pode usar o campo de comentários abaixo:
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Este artigo foi escrito pelo Professor Igor Barca a partir destes vídeos:
(parte 1)
(parte 2)
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